A escolha do chefe do Departamento de Vigilância de IST/Aids e Hepatites Virais, área recriada pelo governo do PT no Ministério da Saúde para tratamento e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, gerou o primeiro desentendimento da equipe da ministra Nísia Trindade com entidades da sociedade civil.
Pioneiro do combate ao HIV no Brasil e referência internacional no tema, o médico Fábio Mesquita foi formalmente convidado para o posto e chegou a participar de reuniões de diretores da Secretaria de Vigilância em Saúde da pasta. Na semana passada, porém, a chefia do departamento passou para o médico Draurio Barreira, atualmente gerente de Tuberculose da Unitaid, agência global ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde).
A mudança provocou o envio de cartas de apoio a Mesquita, assinadas por representantes de centenas de entidades da área de saúde e direitos humanos. Ele foi preterido apesar de ter sido indicado pela Setorial Nacional de Saúde do PT.
A escolha de Barreira ocorreu após o envio de um ofício do Foaesp (Fórum das ONGs/Aids do Estado de São Paulo) no qual a entidade relatava à ministra preocupação com a indicação do médico para o departamento. O fórum afirma que a gestão de Mesquita no antigo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, que ele chefiou de 2013 a 2016, "não foi proveitosa, tanto na articulação junto ao movimento, já que houve divisões, quanto na resposta à epidemia de HIV/Aids".
Colegas de Mesquita relataram à Folha que a decisão por dispensá-lo ocorreu após uma reunião da secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, com o presidente do Foaesp, Rodrigo Pinheiro.
À frente do fórum, Pinheiro fez oposição a governos petistas durante anos. Em 2013, ele organizou uma moção de repúdio à pré-candidatura de Alexandre Padilha (PT), hoje ministro das Relações Institucionais e à época na pasta da Saúde, ao governo paulista. Ele também foi contra a reeleição de Padilha à presidência do CNS (Conselho Nacional de Saúde) e fazia críticas públicas ao governo Dilma Rousseff.
Cartas enviadas por associações, fóruns de saúde e movimentos sociais em seguida à manifestação do Foaesp discordam das críticas a Mesquita. Entidades afirmam, inclusive, que Pinheiro teria falado em nome de entidades que não representa.
"Pessoas com intuitos questionáveis espalharam essa informação [de que Mesquita não dialogava com movimentos do setor], se utilizando de uma suposta representação de dezenas de organizações e movimentos, que jamais foram consultados ou informados de que teriam seus nomes envolvidos em tal iniciativa", diz uma carta assinada por mais de cem entidades.
As organizações pedem uma reunião com a ministra e "que medidas sejam tomadas, visando a retomada da ética institucional deste governo".
Maciel já se reuniu virtualmente com representantes de movimentos sociais, especialmente da área de apoio a pessoas com HIV e de populações vulneráveis à doença. Eles cobravam a recondução de Mesquita ao cargo. Segundo o relato de uma participante, a secretária não deixou que todos falassem e não garantiu a escolha do médico.
Segundo a carta, as reuniões que selaram a mudança de nome ocorreram "sem que os representantes de governo estivessem formalmente nomeados, totalmente em dissonância com a lei da transparência e dos preceitos políticos e éticos que são a tônica do governo Lula".
Mesquita trabalhou 12 anos para a OMS, sempre na área de HIV e Hepatites Virais, em diversos países. Nos últimos dois anos, ele coordenou a resposta à pandemia de covid-19 em Mianmar e foi o representante adjunto da organização do país, que é governado por uma junta militar após um golpe de Estado em fevereiro de 2021.
O presidente do Foaesp, Rodrigo Pinheiro, afirma que a reunião da qual participou com a secretária teve participação de entidades das regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país. Ele diz que houve uma convocação ampla para o encontro virtual e que mais organizações além do fórum se opõem ao nome de Mesquita.
Pinheiro também diz que a atuação do fórum durante governos petistas não foi de oposição. "Não fazemos oposição a nenhum tipo de governo, a gente defende uma causa independentemente do governo que for", disse. "Não é uma questão de o governo ser petista."
Ele também nega que tenha falado em nome de entidades que não representa e afirma que apenas uma instituição filiada ao fórum é a favor da escolha de Fábio Mesquita. "Somos contrários à gestão do Fábio Mesquita. Isso é uma decisão tomada pelo Foaesp já [há muito tempo], e não foi derrubada essa decisão."
Ele critica a falta de compra de medicamentos para o tratamento de Aids entre 2013 e 2016, quando Mesquita estava à frente do departamento, e a demora na incorporação do medicamento dolutegravir no SUS (Sistema Único de Saúde) à época.
O Ministério da Saúde informou, em nota, que os processos de nomeação do secretariado e das diretorias da pasta "têm sido pautados pela escuta às instituições e aos movimentos sociais, o que é parte do processo de um governo que leva em conta a escuta democrática".
O ministério diz que isso ocorreu na indicação do titular do Departamento de Vigilância de IST/Aids e Hepatites Virais, Draurio Barreira. "Além da competência técnica, a atual gestão do Ministério da Saúde é pautada pelo compromisso político de um programa de governo eleito pela maioria da sociedade."
Falta antirrábica já nos primeiros sinais, ou desanda.