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Extinção de órgão em SP trava estudos e atrapalha ações de combate a epidemias

Fim da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) no ano passado desestruturou trabalhos de pesquisa e combate a doenças como dengue e leishmaniose

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Em meio ao período do ano de maior incidência de dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos, parte das ações e pesquisas para controle e vigilância dessas enfermidades estão suspensas ou foram reduzidas no Estado de São Paulo após a extinção da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e desestruturação do trabalho feito pelos servidores e pesquisadores que integravam o órgão.

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A extinção da Sucen foi determinada pela lei 17.293, sancionada sob a administração de João Doria (PSDB) em outubro de 2020, e efetivada pelo governador Rodrigo Garcia (PSDB), em decreto de abril de 2022. Com o fim da Sucen no ano passado, os cerca de 900 servidores da autarquia foram realocados em diferentes órgãos da secretaria.

O grupo formado por pesquisadores foi para o Instituto Pasteur. Os demais funcionários ficaram em setores da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD), o que levou à separação de equipes científicas e operacionais que antes trabalhavam conjuntamente. A secretaria diz que não houve prejuízo ou interrupção das ações, mas admite que pesquisas novas estão suspensas (leia mais abaixo).

Segundo servidores ouvidos pela reportagem, uma das ações afetadas foi a aplicação de inseticida em áreas com alta incidência de mosquitos transmissores de doenças como a dengue, estratégia também conhecida como fumacê. A Sucen existia desde 1970 e atuou no combate às primeiras epidemias de dengue no Estado, nos anos 80 e 90.

“Aqui em São Paulo, por exemplo, os grupos não fazem mais essa nebulização porque as máquinas de inseticida foram para um lugar e os servidores foram para outro prédio, onde não temos estrutura para trabalhar com inseticida, que exige uma preparação e limpeza específicas”, contou um dos servidores da extinta Sucen, que não quis ter seu nome divulgado.

As 12 unidades regionais da antiga Sucen, a maioria no interior do Estado, deixaram de ter autonomia para realizar compras e licitações, o que dificulta a aquisição de insumos e a renovação de licenças e contratos de prestação de serviços.

Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), algumas pesquisas em andamento nas dependências da extinta Sucen foram interrompidas por falta de material e novas pesquisas foram vetadas até que os laboratórios regionais estejam formalmente vinculados a outro órgão, como o Instituto Pasteur.

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Agente da extinta Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) em ação em 1991, num dos primeiros anos de epidemia de dengue em SP Foto: Clovis Ferreira/Acervo Estadão

A entidade afirma que não tem sido possível, por exemplo, comprar nitrogênio líquido, insumo necessário para preservar mosquitos coletados durante pesquisas de campo feitas com o objetivo monitorar a população de insetos na tentativa de reduzir a chance de epidemias de doenças transmitidas por esses vetores.

“Hoje, as atividades que eram da Sucen estão em um limbo. Não é possível começar pesquisas novas. É como se estes pesquisadores e todos os laboratórios, legalmente, não existissem, o que compromete a compra de insumos e de equipamentos, a prestação de contas”, diz Patricia Bianca Clissa, presidente da APqC.

Novos projetos de pesquisa estão suspensos

Em e-mail enviado pela diretoria do Pasteur a pesquisadores em novembro do ano passado ao qual o Estadão teve acesso, a gestão do instituto afirma não ser possível desenvolver novos projetos de pesquisa nem receber alunos e bolsistas nas dependências da extinta Sucen pela falta de formalização da vinculação das unidades da Sucen ao Pasteur.

Entre os trabalhos afetados, segundo a APqC, estão três estudos de vigilância que deveriam ter sido iniciados no segundo semestre de 2022, um de malária na Mata Atlântica, outro sobre transmissão e prevenção da leishmaniose e um terceiro sobre caramujos hospedeiros do agente causador da esquistossomose.

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Segundo os pesquisadores, outro projeto de pesquisa importante que teve seus trabalhos atrasados em um ano pela dificuldade na compra de insumos é o de vigilância prospectiva de doenças. Nele, equipes vão a campo coletar mosquitos para posterior avaliação de patógenos presentes no inseto que possam causar doenças em humanos.

Isso inclui o monitoramento de doenças já conhecidas, como dengue e febre amarela, ou de vírus que circulam em outras áreas do País, mas que nunca foram registrados no Estado. “A ideia é evitar uma epidemia antes dela começar”, diz um dos pesquisadores da Sucen ouvido.

Patricia afirma ainda que há laboratórios da extinta Sucen sem serviços de limpeza e segurança há meses pela falta de um responsável pela renovação dos contratos. O biotério da unidade de Mogi-Guaçu, diz ela, está com a licença junto ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, vencida desde o ano passado pelo mesmo motivo.

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“A frota de carros antes exclusiva da Sucen e à disposição para operações de campo hoje precisa ser solicitada, dificultando os trabalhos. Quando tem um caso de uma doença, a equipe precisa se deslocar, fazer a inspeção da região”, diz ela sobre outro entrave para o trabalho dos servidores. “Há um certo desleixo nessa situação toda porque a extinção da Sucen foi efetivada em abril de 2022 e não foi preparada uma estrutura adequada para a continuidade dos trabalhos”, diz a presidente da APqC.

Pesquisadores da extinta Sucen têm feito reuniões com a Secretaria da Saúde para tentar acelerar a vinculação das unidades da antiga autarquia ao Instituto Pasteur ou à CCD para, assim, poder retomar trabalhos de campo, pesquisas científicas e ações de combate a doenças hoje prejudicadas.

O cenário de desmobilização dos trabalhos de controle de doenças e vigilância epidemiológica ocorre em um momento de alta de dengue e outras arboviroses no País. De acordo com o Ministério da Saúde, houve aumento de 46% nos casos de dengue e de 142% nas infecções por chikungunya neste ano em comparação com o ano passado.

Outro ponto de alerta foi o diagnóstico do primeiro caso de febre amarela em São Paulo desde 2020. O caso ocorreu em Vargem Grande do Sul, no interior paulista, e foi confirmado no final de janeiro.

Secretaria diz que ações em andamento não foram interrompidas

Procurada, a Secretaria Estadual da Saúde afirmou que não houve paralisação de pesquisas em andamento nem falta de insumos para os estudos e destacou que as ações “de controle das doenças transmitidas por vetores e hospedeiros intermediários no Estado de São Paulo” continuam sendo realizadas. O órgão destacou que estão em execução 21 projetos de pesquisa no Instituto Pasteur, entre eles estudos sobre febre amarela, acidentes com escorpiões e o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas.

A pasta admitiu, porém, que novas pesquisas que seriam realizadas nas dependências da antiga Sucen estão suspensas e disse que “um grupo de trabalho atua na integração das atividades técnicas e estratégicas de coordenação das ações de vigilância e controle de vetores, hospedeiros e animais nocivos no âmbito da CCD”. De acordo com o órgão, a minuta de formalização da área técnica está em andamento e, após a conclusão do processo de estruturação, novos projetos de pesquisa serão aprovados.

A secretaria diz ainda que a reestruturação da área, com a extinção da Sucen, “resultou em uma maior integração nas ações e ampliou as iniciativas técnicas e estratégicas de vigilância e controle de endemia”. Afirmou ainda realizar “permanentemente ações para apoiar os municípios no combate ao mosquito transmissor da dengue”. Em novembro, diz a pasta, o governo de São Paulo repassou R$ 93 milhões aos 645 municípios para ações de controle da dengue, zika e chikungunya.

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Sobre a frota de veículos, a secretaria afirmou que não há restrição no uso e que a gestão dos veículos é feita pelo setor administrativo do CCD, com “os carros mais modernos disponíveis para os laboratórios”.

Sobre a interrupção das ações de nebulização, a secretaria informou que o inseticida utilizado é fornecido pelo Ministério da Saúde, que não entrega o produto desde novembro de 2022 alegando dificuldade na compra. Procurado, o ministério confirmou que um dos inseticidas teve atraso na distribuição, mas informou que deverá normalizar a entrega “nos próximos dias” e que outros três inseticidas, que estão com a distribuição normal, podem ser utilizados no controle de mosquitos.

A secretaria não se pronunciou sobre a ausência dos serviços de limpeza e segurança nas unidades regionais da extinta Sucen e sobre a não renovação da licença do laboratório de Mogi-Guaçu.

Também procurado, o ex-secretário da Saúde de São Paulo Jean Gorinchteyn, que ocupou o cargo até dezembro do ano passado, afirmou que sua gestão estabeleceu fluxo para que todas as atribuições da Sucen fossem absorvidas pela CCD.

A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo foi questionada sobre os impactos da extinção da Sucen nas ações de combate a arboviroses na cidade por causa da interrupção das aplicações de inseticida. A pasta não comentou o caso específico, mas disse que as ações municipais não foram reduzidas. “Em 2023, até o momento, foram realizadas 623.955 ações de prevenção ao mosquito Aedes aegypti”: 209.231 visitas casa a casa, além de 6.693 vistorias a imóveis especiais e pontos estratégicos, 378.847 ações de bloqueios de criadouros e nebulizações, entre outras atividades específicas”, disse.

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