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Homem paraplégico volta a andar com a ajuda de implantes cerebrais e na coluna; veja vídeo

Em um estudo publicado na revista Nature, pesquisadores descreveram implantes que forneciam uma ‘ponte digital’ entre o cérebro do paciente e sua medula espinhal

Por Oliver Whang
Atualização:

Gert-Jan Oskam morava na China, em 2011, quando sofreu um acidente de moto que o deixou paralisado da cintura para baixo. Agora, com uma combinação de dispositivos, os cientistas deram a ele o controle sobre a parte inferior do seu corpo novamente.

“Há 12 anos venho tentando me recuperar”, disse Oskam, em entrevista coletiva na terça-feira, 23. “Agora aprendi a andar normal, natural.”

Em um estudo publicado na quarta-feira, 24, na revista científica Nature, pesquisadores da Suíça descreveram implantes que forneciam uma “ponte digital” entre o cérebro de Oskam e sua medula espinhal, contornando as seções lesionadas.

A descoberta permitiu que Oskam, de 40 anos, ficasse de pé, andasse e subisse uma rampa íngreme apenas com a ajuda de um andador. Mais de um ano após a inserção do implante, ele manteve essas habilidades e apresentou sinais de recuperação neurológica, andando com muletas mesmo quando o implante foi desligado.

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“Capturamos os pensamentos de Gert-Jan e os traduzimos em uma estimulação da medula espinhal para restabelecer o movimento voluntário”, disse, em coletiva de imprensa, Grégoire Courtine, especialista em medula espinhal do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, Lausanne, que ajudou a liderar a pesquisa.

Jocelyne Bloch, neurocientista da Universidade de Lausanne que colocou o implante em Oskam, acrescentou: “Foi bastante ficção científica no começo para mim, mas tornou-se realidade hoje.”

Houve uma série de avanços tecnológicos no tratamento da lesão medular nas últimas décadas. Em 2016, um grupo de cientistas liderados por Courtine conseguiu restaurar a capacidade de andar em macacos paralisados, e outro ajudou um homem a recuperar o controle de sua mão com deformação física.

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Em 2018, um grupo diferente de cientistas, também liderado por Courtine, desenvolveu uma maneira de estimular o cérebro com geradores de pulsos elétricos, permitindo que pessoas parcialmente paralisadas voltassem a caminhar e a andar de bicicleta. No ano passado, procedimentos de estimulação cerebral mais avançados permitiram que indivíduos paralisados nadassem, caminhassem e andassem de bicicleta em um único dia de tratamento.

Na quarta-feira, 24, cientistas descreveram implantes que forneceram uma 'ponte digital' entre o cérebro de Gert-Jan Oskam e sua medula espinhal, contornando seções lesionadas e permitindo que ele andasse. Foto: Jimmy Ravier/EPFL via NYT

Oskam havia passado por procedimentos de estimulação em anos anteriores e até recuperou alguma capacidade de andar, mas, eventualmente, sua melhora estagnou. Na coletiva de imprensa, Oskam disse que essas tecnologias de estimulação o deixaram com a sensação de que havia algo estranho na locomoção, uma distância estranha entre sua mente e seu corpo.

A nova interface mudou isso, ele disse: “A estimulação antes estava me controlando e agora estou controlando a estimulação.”

No novo estudo, a interface cérebro-espinha, como os pesquisadores a chamaram, aproveitou um decodificador de pensamento de inteligência artificial para ler as intenções de Oskam - detectáveis como sinais elétricos em seu cérebro - e combiná-las com os movimentos musculares. A etiologia do movimento natural, do pensamento à intenção e à ação, foi preservada. A única adição, como Courtine descreveu, foi a ponte digital abrangendo as partes lesionadas da coluna.

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Andrew Jackson, neurocientista da Universidade de Newcastle que não participou do estudo, disse: “Isso levanta questões interessantes sobre autonomia e a origem dos comandos. Você continua confundindo a fronteira filosófica entre o que é o cérebro e o que é a tecnologia.”

Jackson acrescentou que os cientistas da área vinham teorizando sobre como conectar o cérebro aos estimuladores da medula espinhal há décadas, mas que isso representava a primeira vez que eles alcançavam tanto sucesso em um paciente humano. “É fácil dizer. É muito mais difícil de fazer”, disse ele.

Para atingir este resultado, os pesquisadores primeiro implantaram eletrodos no crânio e na coluna de Oskam. A equipe então usou um programa de aprendizado de máquina para observar quais partes do cérebro se iluminavam, enquanto ele tentava mover diferentes partes de seu corpo. Esse decodificador de pensamento foi capaz de combinar a atividade de certos eletrodos com intenções específicas: uma configuração acendia sempre que Oskam tentava mover os tornozelos, outra quando ele tentava mover os quadris.

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Em seguida, os pesquisadores usaram outro algoritmo para conectar o implante cerebral ao implante espinhal, que foi configurado para enviar sinais elétricos para diferentes partes de seu corpo, provocando movimento.

O algoritmo foi capaz de levar em conta pequenas variações na direção e velocidade de cada contração e relaxamento muscular. E como os sinais entre o cérebro e a coluna eram enviados a cada 300 milissegundos (unidade de tempo equivalente a um milésimo de segundo), Oskam podia ajustar rapidamente sua estratégia com base no que estava funcionando e no que não estava. Na primeira sessão de tratamento, ele pode torcer os músculos do quadril.

Nos meses seguintes, os pesquisadores ajustaram a interface cérebro-espinha para se adequar melhor a ações básicas como andar e ficar em pé. Oskam ganhou uma marcha de aparência um tanto saudável e conseguiu atravessar degraus e rampas com relativa facilidade, mesmo depois de meses sem tratamento. Além disso, após um ano de tratamento, ele começou a notar nítidas melhorias em seus movimentos sem o auxílio da interface cérebro-espinha. Os pesquisadores documentaram essas melhorias nos testes de sustentação de peso, equilíbrio e caminhada.

Agora, Oskam pode andar de forma limitada em sua casa, entrar e sair de um carro e parar em um bar para tomar uma bebida. Pela primeira vez, ele disse que sente que está no controle.

Os pesquisadores reconheceram limitações em seu trabalho. Intenções sutis no cérebro são difíceis de distinguir e, embora a atual interface cérebro-espinha seja adequada para caminhar, o mesmo provavelmente não pode ser dito para restaurar o movimento da parte superior do corpo. O tratamento também é invasivo, exigindo várias cirurgias e horas de fisioterapia. O sistema atual não corrige todas as paralisias da medula espinhal.

No entanto, a equipe estava esperançosa de que novos avanços tornariam o tratamento mais acessível e sistematicamente eficaz. “Este é o nosso verdadeiro objetivo”, disse Courtine, “tornar esta tecnologia disponível em todo o mundo para todos os pacientes que dela precisam.”

Este artigo foi originalmente publicado no The New York Times.

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