Saúde
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Por Rafael Garcia — São Paulo

Uma nova pesquisa revela que as desigualdades socioeconômicas do Brasil têm impacto forte na taxa de vacinação, mesmo em campanhas com aplicação gratuita. Durante os últimos dois anos de imunização para Covid-19, os municípios com pior cobertura da campanha foram aqueles mais pobres, com menor escolaridade média, e maior população negra.

A conclusão saiu de um levantamento que envolveu quatro universidades e analisou 389 milhões de registros de vacinação no país, em 2021 e 2022. O trabalho também confirmou que as mulheres se vacinam com mais frequência que os homens, e que os idosos (grupo mais vulnerável ao coronavírus) se vacinou melhor que os adultos mais jovens, e mostrou o tamanho da lacuna.

O novo estudo, liderado pelos epidemiologistas Alexandra e Antonio Boing, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi feito em parceria com outros brasileiros e com o sanitarista S.V. Subramanian, da Universidade Harvard. Um artigo descrevendo os resultados saiu recentemente na revista Vaccine, dedicada ao tema.

Os cientistas apontam o tamanho do desafio para o Programa Nacional de Imunização (PNI), presente em todas as regiões do país e que teoricamente deveria alcançar todo o público. O que o novo estudo mostrou, porém, que as disparidades entre locais com diferentes graus de desenvolvimento comprometem a universalidade do programa.

A escolha da vacina de Covid-19 para o estudo se deu não apenas pela existência de registros mais abrangentes, mas também porque foi uma campanha complexa, com duas doses e um reforço. A dificuldade ficou clara quando se viu que, à medida que as doses avançavam, a cobertura diminuía em praticamente todos os municípios.

Quando o estudo analisou a terceira dose de reforço, particularmente, foi possível enxergar uma grande diferença. Dividindo todos os municípios do país em cinco grupos usando o critério da educação, o grupo com nível de escolaridade média mais alto teve cobertura de reforço 43% melhor que o grupo no outro extremo, entre adultos. Entre idosos a diferença foi menor (19%), ainda que substancial.

Usando a mesma comparação, dividindo os municípios por “quintis” (cinco grupos de mesmo tamanho), o quintil que tinha população mais branca teve uma cobertura de reforço 24% melhor do que aqueles no quintil mais negro. Já na análise por faixa de renda, os municípios no quintil mais rico se saíram 21% melhor.

Quando avaliadas as diferenças entre gênero, os pesquisadores também encontraram diferenças grandes. Nesse caso, foi possível consultar os dados diretamente dos registros de vacina, que incluíam sexo e idade. “As mulheres adultas apresentaram taxas de cobertura superiores às dos homens (variando de 118% a 25% mais altas ao longo do período analisado)”, dizem os pesquisadores.

Segundo Lorena Barberia, cientista política da USP e coautora do estudo, a Covid-19 permitiu mostrar um problema de base no programa de vacinação geral do país.

— A Covid-19 é uma nova doença, com uma estratégia de vacinação muito complexa, e nessa situação as desigualdades de acesso tendem a se reproduzir de forma magnificada — explicou.

Negacionismo

A troca de comando do governo federal foi marcada por um maior reconhecimento do Estado no papel da vacinação, mas isso por si só não basta para resolver a questão do acesso à vacina, dizem os pesquisadores.

O ataque do movimento antivacina e do negacionismo científico, que cresceram na pandemia de Covid-19, foi grave, mas o problema de base que a desigualdade representa pode ser maior.

— O desafio de resolver esse problema tem uma complexidade que vai além do Zé Gotinha. Não pode ser simplificado. É um problema que vai precisar de um desenho e de uma estratégia diferenciados para se resolver — afirma Barberia.

Ela e os outros coautores do trabalho colocaram os dados da pesquisa num repositório aberto, que pode ser consultado por gestores de saúde para planejamento na cobertura das lacunas de cobertura vacinal.

O diretor do PNI, o infectologista Eder Gatti, afirma que está ciente do desafio a ser enfrentado:

— Umas principais causas da queda da cobertura vacinal é o acesso à vacina, ou seja, o acesso ao serviço de saúde, que é muito sensível a determinantes sociais. Infelizmente o nosso país é muito desigual. O sistema deveria ser equânime, mas a desigualdade coloca os mais pobres em desvantagem.

O problema em muitos casos, dizem os pesquisadores, não é de disponibilização da vacina por si só, mas de planejamento. Envolve administração de doses fracionadas, logística, transporte e comunicação para fazer populações chegarem até o posto de saúde para vacinação no dia certo, ou alcançá-las com postos móveis. Sobretudo em áreas rurais, isso pode ser difícil.

Gatti afirma que está trabalhando para dirimir o problema, e o ministério alocou R$ 150 milhões de orçamento num programa voltado para tal:

— A gente está chamando os municípios e oferecendo ferramentas de planejamento. Com elas é possível elaborar estratégias de vacinação que fazem com que o serviço de saúde chegue até o não vacinado, incluindo vacinação fora do sistema de saúde e busca ativa de não vacinados.

O ministério diz que começou o trabalho por municípios do Acre e do Amazonas, que possuíam índices piores de cobertura vacinal e risco de reintrodução da poliomielite.

— Infelizmente, essa é uma realidade brasileira que ficou mais crítica nos últimos anos. No médio e longo prazo, é preciso uma reestruturação da atenção primária, que envolve valorização de profissionais de saúde, financiamento e estruturação — diz Gatti.

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