Saúde
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Por Mariana Rosário — São Paulo

Globalmente, estima-se que 38,4 milhões de pessoas vivam com o HIV. Sendo 1 milhão delas no Brasil. A vasta maioria dessa população conhece seu diagnóstico e adere as diferentes opções de tratamento com fármacos antirretrovirais, cuja função é inibir o funcionamento do vírus no organismo e barrar — quando utilizados de maneira disciplinada — o desenvolvimento da síndrome da imunodeficiência adquirida, a Aids.

Embora o avanço brilhante da ciência tenha mudado o desfecho da infecção nas últimas décadas, o mundo ainda patina quando o tema é aderir às políticas para encerrar a epidemia causada pelo vírus que se transmite, sobretudo, por meio de relações sexuais inseguras e transfusões de sangue (sem a devida higiene). Diante desse grande desafio, a diretora-executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids), Winnie Byanyima, acredita que a engrenagem capaz de potencializar um mecanismo global de controle do vírus está baseado na igualdade. Seja ela de gênero, renda, raça, acesso às novas tecnologias e de orientação sexual. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, após participar do lançamento de um comitê de combate a novas epidemias no Brasil, a executiva falou sobre a necessidade da abordagem multidisciplinar para controlar as infecções por HIV e da importância de oferecer educação sexual e ambientes seguros às crianças.

Como será esse conselho de desigualdades, HIV e pandemias?
Estou muito feliz de estar no país para lançar esse conselho global, no Ministério da Saúde brasileiro. A ministra Nísia Trindade Lima concordou em participar desse grupo, que tem a função de destacar que as desigualdades impulsionam (a disseminação) do HIV, a pandemia da Covid-19 e intensificará futuras pandemias. Temos que estar preparados para prever e oferecer respostas para futuras emergências de saúde. Queremos reunir pessoas com pesquisas, evidências, e elevar a discussão em espaços de políticas globais e nacionais. Trabalhamos há 25 anos com o HIV, ainda não temos curas ou vacinas, mas temos ferramentas médicas para prevenir, tratar e identificar o vírus. A essa altura ninguém deveria morrer por conta da infecção, mas 650 mil pessoas morrem por ano por conta de causas relacionadas à Aids, e isso tem a ver com as desigualdades que os afetam.

Quais aspectos o Brasil precisa resolver nesse momento, tendo em vista a epidemia de HIV?
É uma epidemia generalizada, é (um vírus) transmitido em relações heterossexuais e também em relações entre pessoas do mesmo sexo. Os grupos que estão mais em risco são os homens que fazem sexo com outros homens e as mulheres transgênero, também vemos (em risco) mulheres afrodescendentes. Vemos uma combinação de desigualdade econômica e racial. Contudo, o Brasil tem feito um importante progresso no que diz respeito às respostas ao HIV. Na década entre 2011 e 2021, o Brasil reduziu as novas infecções e as mortes, porém há um diferente cenário para alguns grupos. Considerando toda a população, a taxa de novos casos caiu 12%, mas se mirarmos no grupo dos afrodescendentes, a mesma taxa teve aumento de 13%. São diferentes trajetórias.

Por que a desigualdade é tão decisiva na resposta ao HIV?
Tomemos como exemplo a população negra, vemos um alto risco tendo em vista os índices de infecção e mortes. E porque é tão diferente? Porque, em muitos casos, eles estão em um cenário de baixo poder aquisitivo, ou violência. São aspectos que os colocam em risco. Há ainda a possibilidade de que estejam em menor nivel escolar. Os serviços de saúde até podem estar próximos, mas por conta da discriminação, pode ser que essas pessoas não o procurem. Esse último aspecto (a hesitação) é mais comum para as pessoas da comunidade LGBTQIA+.

Ainda é possível atingir a meta de acabar com a epidemia da Aids em 2030?
A maioria dos países não está no caminho certo para atingir a meta de acabar com a Aids como uma ameaça à saúde pública até 2030. No entanto, ainda é uma meta possível, mas são necessárias mudanças robustas. Temos alguns alvos para isso, um deles é identificar os casos, iniciar o tratamento até que essa pessoa esteja indetectável (quando se não transmite o vírus). É possível, mas vemos ainda que os sistemas de saúde de alguns países estão em colapso por conta da Covid-19. Em muitos países onde há uma alta da epidemia, também ocorre a criminalização das pessoas LGBTQIA+, ou dos profissionais do sexo. É preciso que nos livremos dessas leis e que ofereçamos o que essas pessoas precisam. Também temos que abordar as desigualdades entre homens e mulheres na África, por exemplo. Você ficaria surpresa ao saber o quanto estar em uma escola até o fim do ensino médio dá segurança à uma garota em relação ao contato com HIV.

O tratamento antirretroviral injetável de longa duração não é uma mudança de paradigma para o controle do vírus?
Um dos aspectos que temos que apressar o passo é justamente no acesso às novas tecnologias. Essas ferramentas estão disponíveis nas Américas, na Europa, mas não estão disponíveis nos países em desenvolvimento por conta de seu preço. Então, enquanto não conseguirmos equalizar esse acesso, estaremos andando muito lentamente até nossa meta (de acabar a epidemia). Por isso, defendemos uma campanha para que esses preços caiam, com a função que as melhores ferramentas cheguem a todos. E nem é preciso que todos usem o mesmo (fármaco), isso muda para cada pessoa, cada estilo de vida, mas seria necessário que as opções estivessem acessíveis para todos.

Então, a senhora se refere a um grande programa global de compra de medicamentos?
É bom, mas não é o suficiente. O que precisamos é incentivar os produtores de novas tecnologias a compartilharem para que os países produzam (genéricos) a preços mais acessíveis.

Voltando às escolas, no Brasil existe um debate muito intenso sobre educação sexual nas salas de aula. A gestão anterior do governo federal se mostrou contra esse tipo de abordagem. Qual é o papel desse tipo de classe?
A educação sexual é muito importante, especialmente nos dias de hoje. Vemos que, talvez pelo que comemos ou pelo ambiente que estamos envolvidos, as meninas estão entrando na puberdade cada vez mais jovens. É muito importante que, tão logo estejam na puberdade, os meninos e meninas entendam o que são seus corpos, o que é sexualidade. Além de aprender como se proteger de infecções sexualmente transmissíveis. Portanto, a educação sexual é realmente sobre uma criança entender seu corpo, conforme ele muda, e fazer as escolhas certas para ter uma boa saúde. É disso que se trata. E muitos países, infelizmente, são contra, por conta de grupos conservadores, religiosos, que veem essas aulas como um perigo. Nós não, pois sabemos que educação sexual salva vidas. Claro, precisa ser colocado num contexto que não ofenda os valores da criança, mas o fato é que ela é necessária para salvar vidas.

Estatísticas brasileiras mostram que o número de jovens que usa camisinha caiu. Há abordagens medicamentosas para a resposta ao HIV, mas não deveríamos estar preocupados com essa proteção também?
Vemos que o mundo está avançando em termos de testagem e tratamento, mas estão deixando para trás a prevenção. As questões mais difíceis que temos que lidar neste momento não estão no sistema de saúde, precisamos reduzir riscos, e para isso precisamos manter as meninas e meninos na escola, por exemplo. Não basta falar em prevenção só distribuindo camisinhas, é preciso dar oportunidade que esses jovens estejam em um ambiente seguro (longe da violência) e que aprendam sobre sexo com segurança. Contudo, é verdade que os preservativos são menos usados do que já foram um dia. Os jovens não estão devidamente conscientes dos riscos do HIV e como é importante se proteger, precisamos alertar as pessoas sobre isso, mas também mirar em outras barreiras estruturais, que dizem respeito aos direitos humanos. Como as leis que (criminalizam as pessoas LGBTQIA+) e mudar o estigma na sociedade. Isso é mais difícil que oferecer tratamento. A prevenção envolve muitos setores como educação, leis e proteção social.

Como as famílias podem falar sobre HIV dentro de casa? O tema ainda segue como tabu.
A família, em muitos países, é um espaço patriarcal. É um lugar onde o poder dado ao homem é superior ao da mulher. Há uma desigualdade. Isso representa um problema para discussões e o entendimento. Eu, como uma feminista, defendo muito fortalecimento da voz das mulheres. É preciso trabalhar com líderes, sejam eles religiosos ou conservadores, para que se defenda a mentalidade sobre o valor (equivalente) das pessoas, seja homem, mulher ou criança. Se não houver igualdade na família, será muito difícil discutir essa questão. Tenho acompanhado em meu país, a Uganda, o debate sobre uma lei muito dura que criminaliza a população LGBTQ, e vi o terrível papel que tem sido desempenhado por líderes religiosos que disseminam o ódio. O país todo foi movido a um frenesi de ódio, o que é algo muito triste. Então, como seria possível discutir sexualidade, educação sexual nas famílias? É preciso promover igualdade para que exista a discussão.

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