Medicina
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Por Mariana Rosário — São Paulo

Muitas são as preocupações de um paciente que chega ao hospital. Há quem se inquiete com o uso de medicamentos novos, com resultados de exames ou até se será compreendido pelo especialista que o receberá em instantes. Para a população transexual do Brasil, contudo, há uma agonia extra: há a dúvida se aqueles médicos e o centro de saúde respeitarão a mundança de gênero daquela pessoa e se conhecem suas necessidades específicas. Trata-se de uma preocupação absolutamente válida e que começa a balizar novos modos operacionais em hospitais e clínicas no país. Há um luminoso movimento de repensar políticas internas, bancos de dados e até “mimos” aos pacientes, de maneira que todos sintam-se mais acolhidos.

Exemplo disso é o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, que inaugurou recentemente um núcleo que passa um pente fino em diversas esferas da área operacional da instituição para evitar que o hospital derrape em aspectos que podem ofender (e excluir) pacientes trans ao buscarem atendimento. Entre os especialistas no grupo está Joseph Kuga, um homem trans que teve problemas para realizar exames em outros centros de saúde.

— Em ocasioões passadas, fui recusado para ter atendimento de saúde seja ginecológico, seja endocrinológico. Meu trabalho aqui é preparar as pessoas para atender com calor humano, que consigam chegar até aquele paciente e compreender o que ele necessita, sem dizer ‘não atendo pessoas como você’, como já ouvi em outros lugares — diz Joseph. — Estamos atualizando os processos para que o nome social seja a única identificação que aparece em todas as instâncias (sem aviso de que aquela informação tenha sido alterada ao longo da vida da pessoa).

Joseph conta que a equipe da recepção do hospital também está especialmente treinada para evitar qualquer tipo de constrangimento. Caso o atendente note que a pessoa fez transição de gênero e não tenha alterado seus documentos, é orientado que em hipotese alguma utilize o nome de bastismo, mas que pergunte imediatamente como aquela pessoa gostaria de ser chamada (incluíndo seus pronomes, caso de ele ou ela, por exemplo).

— Os dados de saúde são muito complexos, são mais de vinte sistemas que integram as informações de cada pessoa. Quando incluímos o nome social, precisamos que ele se conecte com todas as informações do passado da pessoa e também com o que virá no futuro. Mesmo com a legislação vigente (que determina o uso do nome social como regra desde 2016) há dificuldades para integrar esse dado — conta Felipe Duarte, também médico do Sírio-Libanês. — Alguns sistemas, por exemplo, têm travas de segurança que não permitem emitir um laudo de próstatra ao fazer um ultrassom pélvico em uma pessoa que tem o sexo atribuído como feminino (mulheres trans seguem tendo próstata). Estamos nos adaptando.

O hospital também avalia retirar uma informação que diz respeito ao “sexo informado ao nascer” de laudos de exames. A meta que os especialistas miram, dizem os envolvidos no processo, é transformar o local em um ambiente seguro também do ponto de vista da saúde mental. Faz movimento semelhante o Hospital Albert Einstein, igualmente em São Paulo. Uma das médicas ativamente envolvida no processo é Andrea Hercowitz médica da Clínica de Especialidades Pediátricas, coordenadora do Grupo Médico Assistencial LGBTQIA+.

— Muitas pessoas dessa população trans trazem consigo histórias negativas do atendimento médico. Diante disso, acabam evitando esses locais de atendimento. O que é o pior dos mundos, porque acabam buscando serviço quando estão com a saúde muito ruim. Para mudar esse cenário, é preciso acolher desde o manobrista, da recepção, desde o bom dia — afirma a especialista

O hospital aposta em frentes de trabalho para aprimorar a experiência tanto dos pacientes quanto dos funcionários. Entre as tarefas, houve uma mudança importante no método de check-up, cujo formulário online (fundamental para realização de exames) teve alteração de termos específicos. Partes que tratavam de menstruação, por exemplo, deixaram de ser indicadas somente ao público feminino. O termo “pessoas que menstruam” passou a ser mais utilizado do que o termo "mulheres". Também entrou em cena a opção de se classificar como “homem trans” e acessar exames uterinos e dos ovários com mais facilidade. E há mais: o banco de leite materno passou a ser chamado de “banco de leite humano”. Tudo em nome da inclusão.

— Recentemente, uma mãe de um paciente meu de 12 anos, um menino trans, me escreveu dizendo que o atendimento foi incrível, porque ninguém chamou seu filho pelo nome feminino. No raio-x, foi pedido apenas que se confirmasse o último sobrenome (para não precisar dizer o nome completo de batismo da criança) — diz Andrea.

No Hospital Oswaldo Cruz, explica Icaro Boszczowski, o diretor-executivo médico, a inclusão é um assunto recorrente desde 2016, quando houve o primeiro encontro para se falar da inclusão de pacientes transexuais na instituição. De acordo com ele, o preparo para esse tipo de ação ganha corpo com o tempo e deve avançar mais.

— Não é algo que deve ser movido por decreto, por declaração. É algo que é construído ao longo do tempo. Faz parte de nosso letramento para diversidade sexual. Dentro disso, temos também especialistas que são referência para o atendimento de pacientes trans. — afirma Icaro.

No Rio, as maternidades da Rede D’Or fizeram outro ajuste perceptível: os pijamas azuis que eram encaminhados aos genitores com a palavra “pai”, agora são em tons neutros e levam a palavra “acompanhante”, mais abrangente aos que estão ao lado de quem acabou de dar à luz.

Rede pública

Na rede pública de São Paulo, a entrada da população LGBTQIA+ ocorre pelas Unidades Básicas de Saúde. São nessas unidades nas quais o paciente é orientado sobre seu direitos — entre eles, as orientações sobre o uso do nome social no cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa denominação deve ser reproduzida em todos os prontuários, laudos de exame e receituários, afirma a coordenadora da área técnica de saúde integral da população LGBTIA+ na cidade, Tania Regina Correa de Souza.

Em geral, esses pacientes são atendidos na chamada “Rede SampaTrans”, com 44 endereços de saúde em toda a metrópole, além de um grupo de referência, com uma equipe muldisciplinar. Nesses locais, há uma evidente preocupação com uma linguagem que seja inclusiva.

— Falamos em “pessoa com útero”, “pessoa com próstata” e “pessoa que amamenta”. É um esforço em todo o município, vai além da rede SampaTrans. É uma proposta iniciada desde o ano passado. Já falamos (na rede pública) em aleitamento humano também. Vamos tentando nos adequar. O Outubro Rosa, no ano passado, por exemplo teve um ação que dizia que o outubro não era rosa, era da cor de quem tem peito.

A especialista, contudo, diz que é preciso de uma atualização maior no sistema do CadSUS, sob responsabilidade do Ministério da Saúde. Lá, ainda não há um campo para incluir a identidade de gênero, o que dificulta atualizar as informações daquele paciente em alguns atendimentos. Questionada, a pasta informou que "trabalha para atender de forma inclusiva a população e atento às demandas específicas, que atendam às necessidades de toda a população".

Ainda diz que Sistema de Cadastramento de Usuários do SUS (CadSUS) "está em constante evolução". E segue: "essas evoluções estão em discussão, em conjunto com estados e municípios, com a possibilidade de incluir novas informações que promovam maior equidade".

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