Por Yasmin Castro, g1 Campinas e Região


Como mapeamento de drogas a partir de saliva pode evitar epidemia de fentanil no Brasil

Como mapeamento de drogas a partir de saliva pode evitar epidemia de fentanil no Brasil

Um projeto desenvolvido no Centro de Informações e Assistência Toxicológica (CIATox) da Unicamp, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, pode ser uma das soluções para identificar a circulação e evitar que o fentanil, opioide que virou centro de uma epidemia nos Estados Unidos, se torne uma preocupação no Brasil.

Com o nome de "Toxicologia e Análises Toxicológicas como Fontes de Informação para Políticas Públicas sobre Drogas - Projeto Baco", a iniciativa coleta amostras de saliva de voluntários em festas e festivais pelo país e o material é analisado em laboratório na intenção de reconhecer novas substâncias psicoativas, o que inclui canabinoides sintéticos conhecidos como drogas K.

Em sua primeira fase, realizada entre setembro de 2018 e janeiro de 2020, o projeto chegou a achados importantes sobre o consumo de entorpecentes nesses eventos: mostrou, por exemplo, a frequência na mistura de drogas e a falta de informação do usuário, que nem sempre sabe o que está usando (entenda os detalhes abaixo).

Na segunda etapa, que começou em setembro de 2023, o mapeamento também poderá identificar o fentanil. A substância, um anestésico 100 vezes mais potentes que a morfina, pode ser letal em altas doses: nos EUA a crise chega a cerca de 300 mortes diárias. No Brasil, a substância não é comum, mas já teve as primeiras apreensões associadas ao tráfico de drogas no Espírito Santo.

Como o mapeamento pode ajudar?

Polícia investiga como fentanil, anestésico de uso restrito, caiu nas mãos de traficantes do Espírito Santo — Foto: Reprodução JN

Uma das problemáticas que envolvem o fentanil é, justamente, a dificuldade de detecção. A droga pode ser misturada a outras, o que atrapalha o diagnóstico de um paciente com overdose, por exemplo, e afeta o rastreamento no tráfico. Outro problema é a imprevisibilidade do mercado ilegal, que depende das apreensões da polícia.

José Luiz da Costa, coordenador do CIAtox, explica, porém, que o medicamento está na lista de drogas detectáveis pelo Projeto Baco. "Os opioides estão dentro do nosso escopo de substâncias já catalogadas e, se houver uso por parte do voluntário, será possível identificar e confirmar se existe ou não circulação".

Dessa forma, se houver frequência nas detecções de fentanil durante o mapeamento, os serviços de saúde e segurança poderão se preparar com antecedência na criação de políticas públicas.

De acordo com dados do CIATox, a região de Campinas (SP) registrou cinco casos de intoxicação pelo opioide entre janeiro e setembro de 2023 (veja o balanço completo abaixo). Em março, a Unicamp chegou a emitir um alerta sobre o assunto. O número é considerado pequeno, mas Costa diz que o cenário exige cuidados.

"Por que tem que ter atenção? Tem um histórico que aconteceu lá nos Estados Unidos, sendo todo um problema grave de saúde pública", comenta. "Os números de intoxicação que a gente vê por aqui são muito pequenos historicamente, [mas] a gente precisa entender se os números são pequenos mesmo ou se falta diagnóstico

"Se você tem substâncias que não procura, você não sabe quando teve intoxicação mesmo ou não".

O que é o Projeto Baco?

Com um nome que faz referência ao deus grego do vinho e das festas, o projeto nasceu de uma pesquisa de doutorado desenvolvida por Kelly Francisco da Cunha. Durante o trabalho, a equipe visitou festas e festivais em diferentes estados coletando fluidos orais dos voluntários para análise.

Os pesquisadores devem voltar a campo no segundo semestre de 2023, dessa vez como uma iniciativa apoiada pelo Governo Federal. A expectativa é, com os resultados, apoiar a criação de novos protocolos de atendimento e tratamento de pacientes em casos de intoxicação.

De acordo com o Senad, a iniciativa contribui para o desenvolvimento de um sistema de informação que vai registrar e monitorar intoxicações causadas por drogas de abuso, identificando tendências nos atendimentos de emergência relacionados a essas drogas.

Apreensão no Brasil

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O Espírito Santo registrou três apreensões de fentanil este ano, as primeiras associadas ao tráfico de drogas no país, segundo a Polícia Civil capixaba. A principal suspeita da polícia é que o anestésico esteja sendo desviado ou roubado de dentro de hospitais.

De acordo com o delegado-geral da Polícia Civil do estado, José Darcy Arruda, policiais identificaram durante as investigações que alguns frascos apreendidos no Espírito Santo foram fabricados em um laboratório em Minas Gerais e distribuídos por uma empresa de São Paulo.

"Aí vem também um trabalho de inteligência pra saber quem são aquelas pessoas, quem são aqueles traficantes, qual o relacionamento, qual a sua rede, que possa chegar em alguém que tenha uma influência dentro de hospitais ou que trabalha dentro de um hospital", disse Darcy Arruda.

Intoxicações por fentanil

💊 De acordo com o CIATox, a região de Campinas registrou nos sete primeiros meses desse ano cinco casos de intoxicação por fentanil. A substância foi utilizada em circunstâncias de uso abusivo de drogas e em tentativa de golpe “Boa noite, Cinderela”.

💊 O levantamento também aponta que o fentanil foi detectado em misturas com outras substâncias, o que inclui maconha, cocaína, outros opioides, benzodiazepínicos (ansiolíticos), álcool e canabinoides sintéticos (drogas K).

💊 Em 2023, 60% dos pacientes intoxicados era do sexo feminino e 40% do sexo masculino, com uma faixa etária entre 17 e 40 anos. Não houve registro de morte ou quadros graves, mas 60% dos pacientes evoluíram com manifestações moderadas.

O que é o fentanil

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O fentanil é um medicamento opioide, permitido pela lei brasileira e usado na medicina intensiva, principalmente, no setor de anestesia. Quando usado por profissionais preparados, não oferece riscos. Porém, em pessoas sem conhecimento e quando usado em excesso, pode levar à morte.

Ao podcast "O Assunto", o médico e pesquisador Francisco Inácio Bastos, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz, explicou que a substância pode provocar incapacidade de respirar. A falta de oxigênio ainda é responsável pela dificuldade de coordenação.

“Se você tem uma baixa de oxigênio, imediatamente você tem um problema de coordenação, porque vai afetar cérebro e cerebelo, e as pessoas ficam inteiramente incoordenadas e incapazes de ter ações coerentes no sentido do tempo", explica.

A única solução após o consumo de dose mais nociva do fentanil, segundo Bastos, é o uso da naloxona, capaz de reverter em minutos o efeito sobre o centro de respiração.

“Obviamente que é importante também chamar o serviço de emergência, importante fazer manobras de ressuscitação. Mas muitas vezes não há tempo porque você tem que bloquear muito rapidamente esse efeito, que pode ser letal num período muito curto”, diz.

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