Ciência
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Por — São Paulo

Um estudo americano que investigou a ligação entre a incidência de leucemia linfoblástica aguda em crianças e a expansão da produção de soja no interior do Brasil sugere que a exposição a agrotóxicos usados nas plantações matou pelo menos 123 crianças de até 10 anos ao longo de uma década.

A pesquisa, descrita em artigo na edição de hoje da revista PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, foi liderada pela economista Marin Skidmore, professora da Universidade de Illinois, que estuda relações entre meio ambiente e sociedade no Brasil e nos EUA.

O trabalho, feito em colaboração com outras duas cientistas , analisou as áreas de sojicultura dentro dos biomas Cerrado (onde a área plantada desse vegetal triplicou desde o início do milênio) e Amazônia (onde ela se multiplicou por 20).

Segundo as cientistas, a análise de números da região indica que a principal via de contaminação por pesticidas nocivos são os lençóis freáticos, porque o padrão de aumento de risco por município segue o fluxo de rios e escoamento natural da água na região.

A presença dessas substâncias, que têm potencial cancerígeno já comprovado em laboratório, é a explicação mais plausível para o aumento da incidência da doença na região, que antes tinha predominância econômica da pecuária e menos áreas desmatadas.

Como não havia dados epidemiológicos diretos para investigar a possível associação entre pesticidas e câncer na região, as pesquisadoras recorreram a números do SUS (Sistema Único de Saúde) e os combinaram com dados sobre peodução de grãos, análises de qualidade da água de superfície e demografia da região.

O uso de pesticidas controversos, como glifosato e clorpirifós, ainda é relativamente comum em muitas fazendas, mas Skidmore afirma que não foi possível associar os danos a produtos específicos.

— Um dos desafios do trabalho é que nos não tínhamos informação descrevendo uso de substâncias químicas específicas em regiões específicas. Esses dados simplesmente não existem — afirma. — Por outro lado podemos dizer que conhecemos a composição de pesticidas usados no contexto estudado, e vimos esses aumentos subsequentes em mortes por leucemia linfoblástica aguda.

Taxa de mortalidade

Analisando município a município entre 2008 e 2019, Skidmore calculou a taxa de correlação entre agrotóxicos e leucemia na região, que abarca principalmente os estados de Mato Grosso, Goiás, oeste da Bahia e noroeste de Minas Gerais. Para cada 10% de aumento da área de soja plantada em cada cidade, mais quatro crianças de até 5 anos por 100 mil habitantes morriam em decorrência desse câncer, além de outras duas de 5 a 10 anos.

As 123 mortes que representam esse aumento em números absolutos no período estudado compõem cerca de metade da incidência da doença no período. Como o estudo não levou em conta casos não letais de leucemia, e a região tem um acesso a tratamento razoavelmente bom para seu nível de renda média, o impacto da contaminação de corpos d'água deve ter sido ainda pior.

"Nossa descoberta representa só a ponta do iceberg dos impactos externos em saúde que a agricultura de alta produtividade e a mudança de uso da terra provocam", escreveram Skidmore e suas coautoras no estudo.

As pesquisadoras afirmam que a incidência da doença na região se beneficiaria, evidentemente, de uma política mais restrita de uso de pesticidas. Na ausência de tal política o grupo de Skidmore sugere medidas de mitigação, como restrição de acesso a algumas fontes de água e treinamento adequado dos agricultores que lidam direto com a aplicação de pesticidas.

"Médicos devem considerar adotar um procedimento padrão de diagnóstico por screening em crianças das comunidades com alta produção de soja ou em processo de aumento", dizem as pesquisadoras. "Tal procedimento pode incluir testes de sangue anuais para avaliar a saúde do sistema imune e detectar sinais precoces de tumores líquidos."

Ciência e política

Skidmore diz que espera, com seu trabalho, poder contribuir para a formulação de políticas públicas em países que estão se vendo no mesmo dilema que o Brasil, onde existe pressão do agronegício para afrouxar a regulação de agrotóxicos.

— Esse trabalho tem uma perspectiva diferente e é mais uma evidência para avaliar o custo-beneficio do uso de pesticidas. Se ele chegar aos formuladores de política certos e aos executivos de indústria certos, eles podem usá-lo para tormar suas decisões — afirma a pesquisadora.

Ela não descarta, porém, que uma reação ao estudo seja uma postura negacionista que rejeite suas conclusões por terem natureza estatística.

— Isso sempre pode acontecer, mas nós fomos muito cuidadosas em descartar diversas explicações alternativas para o aumento de incidência — afirma. — É por isso que consideramos muito convincente a ligação entre a leucemia com a produção de soja não apenas dentro de cada município, mas também com a produção em municípios rio acima, indício da exposição por fluxo da água e contaminação de reservatórios.

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