Saúde
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Por — Rio de Janeiro

Além dos números alarmantes, a epidemia de dengue tem revelado desigualdades, numa conexão direta com o racismo ambiental. Se, por um lado, a doença afeta todas as camadas da população, suas consequências são particularmente severas para as comunidades historicamente marginalizadas, que enfrentam condições de vida precárias e acesso limitado aos recursos de saúde.

De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, “essas comunidades sofrem os impactos negativos da degradação ambiental e da falta de acesso a recursos naturais e serviços ambientais, enquanto as populações mais privilegiadas usufruem de uma maior proteção ambiental e melhores condições de vida”.

A proliferação do mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, encontra terreno fértil em regiões urbanas com poucos recursos. O infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Julio Croda salienta problemas como a ausência de saneamento básico, recolhimento de resíduos, rede de esgoto, acesso à água potável e instalação de aterros sanitários.

— A coleta de lixo não eficaz também favorece a ocorrência de criadouros em materiais que não foram recolhidos, como vasilhas, pneus e outros materiais que favorecem o acúmulo de água. E o adensamento populacional também facilita a maior presença do Aedes aegypti. Então essas condições são estruturais. Além disso, a fiscalização é menos eficiente nessas comunidades — explica.

O racismo ambiental é uma forma de desigualdade socioambiental que afeta principalmente as comunidades marginalizadas, como pessoas negras, indígenas e pobres.

Suas consequências se manifestam de várias formas, entre elas na localização de lixões e aterros sanitários próximos a comunidades de baixa renda e majoritariamente compostas por pessoas negras e indígenas, na poluição do ar em bairros mais pobres, na falta de acesso à água potável e saneamento básico em comunidades rurais e periféricas, entre outros.

Essa segregação urbana contribui diretamente para a vulnerabilidade dessas populações, expondo-as de maneira desproporcional ao risco de contrair a dengue.

— Nas regiões mais pobres, principalmente nas comunidades carentes, o controle vetorial é mais difícil, primeiro por conta do adensamento populacional, dificuldade de água encanada regular e coleta de lixo. A tendência é que por conta dessas condições de saneamento básico, as pessoas acumulem mais água em recipientes não apropriados para esse propósito. O que favorece a multiplicação do mosquito — diz Julio Croda.

Dados da dengue na região Sudeste, por exemplo, evidenciam o racismo ambiental. Segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde, chegou a 574.953 o número de casos na região. Desse total 55,4 % são pacientes femininas. Entre pretos e pardos são 148.174 infectados. Já entre a população branca são 110.264. Da amarela são 4.297 e da indígena, 557.

Além das condições ambientais favoráveis à propagação da dengue, que colocam essas comunidades em maior risco de contrair a doença, a resposta do governo muitas vezes é insuficiente nessas áreas, com menor investimento em programas de controle de vetores.

A escassez de recursos de saúde, aliada ao racismo ambiental, resulta em acesso limitado não só a medidas preventivas mas também ao tratamento adequado para aqueles que contraem a doença.

— Geralmente, nas periferias e nas comunidades carentes o acesso a serviços de saúde também é pior. A tendência é que a gente tenha o maior número de casos graves por conta da maior incidência da doença, mas também uma maior letalidade associada à doença, justamente por conta da falta de acesso a serviços de saúde, de avaliação clínica desses pacientes e identificação dos sinais de alarme — acrescenta o infectologista.

Problema

O termo racismo ambiental surgiu nos Estados Unidos, sendo usado desde os anos 1980, e faz parte de relatórios da ONU como um problema a ser enfrentado. A partir da articulação do movimento negro e de pesquisas que comprovavam a tese, o conceito passou a se espalhar internacionalmente. A definição não se configura somente através de ações que tenham uma intenção racista, mas que tenham impacto “racial”.

O racismo ambiental também se manifesta na distribuição desigual de recursos e investimentos públicos. Enquanto áreas mais privilegiadas têm melhor infraestrutura e serviços de saúde, as comunidades marginalizadas lutam para obter acesso aos mesmos recursos, perpetuando as disparidades sociais e de saúde.

Ações para reduzir o problema incluem a criação de políticas públicas que considerem as desigualdades sociais, garantam a participação das comunidades afetadas nas decisões, promovam a educação ambiental e valorizem o conhecimento tradicional.

— O racismo ambiental atua como um vetor que aprofunda as consequências das mudanças climáticas e, também, os processos de favelização, colocando as populações negras frente à precarização das condições de moradia, e intensificando a fragilidade das condições de saúde, acentuando assim doenças tropicais, como a dengue. Essas comunidades têm cor e condição socioeconômica bem definida — destaca a Coordenadora do Instituto Mirindiba de ação climática popular, Andressa Dutra.

*estagiária sob supervisão de Constança Tatsch

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