A “neoindustrialização” de Lula III, com a Saúde à frente

Governo apresenta sua Estratégia Econômico-Industrial para a Saúde, que prevê investimentos de R$ 42 bilhões e participação de 11 ministérios. Conseguirá reduzir dependência externa e alavancar o SUS?

Foto: Ricardo Stuckert / Presidência da República
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Em um evento realizado nesta terça, 26/9, o governo lançou sua Estratégia Econômico-Industrial para a Saúde. Boa parte da “linha de frente” dos ministérios esteve presente. Além do próprio presidente Lula, compareceram também Geraldo Alckmin (vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Nísia Trindade (Saúde), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação) e Fernando Haddad (Fazenda), além de Marina Silva (Meio Ambiente) e importantes secretários e funcionários na plateia.

Trata-se de um das bandeiras mais ambiciosas do atual governo, que visa fazer do setor industrial um vetor de desenvolvimento econômico e integração social, para além da promoção do acesso à saúde e qualificação do Sistema Único de Saúde em si mesmos. “Reduzir a vulnerabilidade do SUS e ampliar o acesso à saúde resume a estratégia desta política”, explicou Nísia. “O Brasil retrocedeu, essa é a verdade revelada pela pandemia. A política da nova industrialização, debatida na 17a Conferência Nacional de Saúde, foi amplamente discutida com movimentos e sociedade. Suas diretrizes são de compromisso com demandas da sociedade. É o reposicionamento do Brasil numa cooperação solidária e propositiva, como marcou o discurso de Lula na ONU.”

A ministra apresentou um plano que prevê investimentos totais de R$ 42 bilhões, entre verbas para os 11 ministérios envolvidos no plano, BNDES, Finep e Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia. O governo projeta, ainda, que RS 23 bilhões venham da iniciativa privada.

Assim, a política desenhada para o chamado Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) representa uma reversão na agenda do Estado mínimo que pautou o país nos últimos anos – com imensos impactos regressivos na sociedade, inclusive na atividade econômica. Como enfatizaram Nísia e Alckmin, o pacote de investimentos visa garantir soberania no setor de Saúde, à luz também das recomendações da OMS em sua Assembleia Global realizada em maio, quando foi feito um duro balanço sobre a pandemia e as respostas dos Estados a ela.

“Lá, tivemos três reuniões de alto nível: preparação e respostas a pandemias; eliminação da tuberculose, foco de nossa política junto de outras doenças negligenciadas; e cobertura universal de vacinação. O CEIS é uma estratégia para atender demandas sociais e gerar cooperação soberana e altiva com o mundo. Plataformas, rotas tecnológicas e produtos se inserem nessa visão”, contou Nísia.

Além de endossar Nísia, Alckmin alfinetou o governo anterior, saudou a existência do SUS e detalhou a importância do pacote de investimentos: “[o setor de saúde] é o segundo maior déficit da balança comercial, só perde para o ramo eletro-eletrônico. Temos tudo para crescer e temos de investir. O governo já começou a trabalhar antes da posse, ao colocar R$ 22 bilhões no ministério da Saúde. Voltou o Mais Médicos, o Farmácia Popular, e agora volta uma política de industrialização, baseada na inovação”.

O vice-presidente declarou que a Saúde é o setor que mais cresce no mundo, junto à Tecnologia e Informação. E defendeu que a Reforma Tributária que está no Congresso será uma aliada dessa indústria: “Precisamos de isonomia tributária, pois às vezes o imposto é menor para quem importa do que para quem produz aqui”. Alckmin tocou em um ponto sensível, no entanto, para a Saúde: ele defende que a aceleração do processo de registro de patentes, no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), pode ser favorável à indústria. Mas movimentos sociais rejeitam essa postura: acreditam que a aceleração pode pôr em risco a soberania nacional – e trataram do assunto em uma reunião com o vice-presidente na semana passada.

Capital e trabalho unidos

Por sua vez, Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), fez elogios ao pacote e reivindicou a retomada de um maior protagonismo da indústria na economia. Além disso, observou a importância do SUS para o setor privado, com quem o governo pretende fortalecer parcerias em diversos ramos produtivos da saúde.

“Dentro de 15 a 20 anos os recursos de pesquisa e desenvolvimento em Saúde devem superar o setor de óleo e gás. Para isso, precisamos de mestres, pesquisadores da Saúde. Precisamos nos focar nessa indústria que tem uma longa cadeia, seja na química fina, produtos biológicos, os produtos fagos e bacteriófagos, produtos que podem revolucionar o combate a infecções. E devemos aproveitar o que não existe em outro lugar: o maior cliente individual de saúde do mundo, o SUS, o que o setor privado pode aproveitar para um encadeamento produtivo vigoroso”, explicou.

Em momento que reeditou os melhores tempos da conciliação entre capital e trabalho, marca dos dois primeiros mandatos de Lula, Aroaldo Oliveira da Silva, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos e presidente da IndustriALL (federação global de sindicatos), exaltou as virtudes buscadas pela nova estratégia econômico-industrial e fez coro com Alban. “Além de suporte à vida, o desenvolvimento desta política industrial tem reflexo no setor de serviços também. Se o Brasil quer ser o país do futuro, este debate nos coloca no caminho certo. Por fim, é importante para gerar emprego e renda numa área que que chega a 20 milhões de empregos, com renda acima da média nacional. Além de política nacional e industrial, de desenvolvimento econômico e tecnológico, é uma política de desenvolvimento da vida”, discursou o metalúrgico.

Nesse sentido, o presidente do CNI mostrou-se conectado ao estado de espírito das lideranças governamentais. “Além disso, podemos aprender com os exemplos que a pandemia e suas consequências trouxeram para o Brasil e o mundo. Se temos uma nova industrialização, precisaremos de uma nova CNI para dar margens, acompanhamento, respostas e entregas necessárias à indústria deste país, que precisa recuperar o tempo perdido. Não que ela não tenha valor, não seja vigorosa e importante, mas precisa se desenvolver e ter sua importância relativa na economia. E a Saúde certamente é uma prioridade nossa”, sintetizou.

Já Debora Melecchi, coordenadora da comissão intersetorial de assistência farmacêutica e membro do Conselho Nacional de Saúde, reforçou a importância com a qual o governo enxerga o setor privado neste esforço que seus líderes chamaram de “neoindustrialização”.

“No primeiro governo Lula, realizamos a primeira Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, aprovamos o Programa Farmácia do Brasil e também a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, política que deve ser realocada neste cenário estratégico em nosso país, que em suas diferentes diretrizes permeiam outras políticas públicas, entre elas o CEIS”, discursou. ”Na vitoriosa 17a Conferência Nacional de Saúde, em julho, de um total de 1.228 diretrizes e propostas encaminhadas, cerca de 10% são voltadas a políticas de ciência, tecnologia e inovação em saúde e assistência farmacêutica. Como dito por Lula, mais recursos para saúde são investimentos e não gastos, no sentido de chegarmos aos 6% do PIB em investimentos no SUS.”

Estratégia nacional

Numa síntese geral, o evento articulou interesses econômicos estratégicos ao país com uma agenda, de acordo com o jargão do governo, de reinserção internacional “altiva e soberana” – isto é, crescimento com resultados práticos internos e fortalecimento de laços com países em desenvolvimento. “O Brasil importa 20 bilhões de dólares em produtos de saúde e diminuir essa dependência é alvo da nossa política”, defendeu a ministra Nísia. ”Na nova industrialização, é importante uma base produtiva orientada pelo bem estar, que serve de combate à miséria e à fome, através da inclusão produtiva. Alavanca a pesquisa. Ajuda na geopolítica, em maior integração produtiva com América Latina e África, além de prevenção a novas pandemias. E também serve à ideia de sustentabilidade”, disse, se dirigindo à ministra Marina Silva.

No encerramento, Lula se jactou dos feitos de seu governo e também destacou os pontos altos de sua viagem à Cúpula da ONU, em especial o encontro com Joe Biden, momento em que seu discurso se estendeu à defesa de direitos trabalhistas dentro das novas relações de trabalho. Além de festejar os projetos apresentados, exaltou as relações do chamado Sul Global. “O Brasil precisa tomar a decisão de se transformar num grande país. Temos no SUS a garantia de entrega da nossa produção de saúde. E ainda podemos construir pontes com a América Latina e África e vender insumos a preços acessíveis”, finalizou.

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